“Os Sonhadores” (“The Dreamers”) (2003)
Filme escrito por Gilbert Adair e dirigido por Bernardo Bertolucci, baseado na obra homônima de Gilbert Adair. O filme começa como uma lembrança, com seus minutos iniciais narrados pelo personagem de Michael Pitt, Matthew, um jovem americano, estudante universitário em Paris de 1968 que começa uma amizade com os irmãos Isabelle e Theo, vividos por Eva Green e Louis Garrel, respectivamente. Essa amizade, com pano de fundo meio a protestos, contestações e debates políticos, envolvendo a Cinemateca francesa.
Com a viagem dos pais de Isabelle e Theo, os dois convidam Matthew para dividir o apartamento, mesmo os três se conhecendo há poucos dias. O filme sem dúvida é uma descoberta de personagens que se desenvolvem muito bem, a relação interpessoal aflora de uma maneira que em certos momentos não é esperado, vai de um extremo a outro em poucos segundos, e pelo filme se passar a maior parte do tempo dentro um apartamento, intensifica este aspecto da relação e como ali dentro eles estão alheios ao mundo, alheios ao que está acontecendo, presos em suas próprias mentes e corpos, envoltos numa atmosfera, certas vezes de superioridade. Um ego demonstrado pela paixão por cinema, como se isso e a vontade e prazer de tentar entende-lo os fizesse se sentir especiais e com propósito de entendimento da natureza humana, devaneios percebidos em ações despropositais, principalmente pelos desafios.
O filme apresenta as características “registradas” do diretor, como referências à filmes clássicos, os três apaixonados por cinema se desafiam para adivinhar qual filme o outro está ‘interpretando”, filmes clássicos como “Bande à part” de (1964) ou “Acossado” (1960), ambos de Godard, têm pelos personagens alguma de suas cenas reproduzidas, como também aconteceu com uma cena de “Freaks” de Tod Browning (1932), intercaladas pela filmagem original, montagem cuidadosa e bem intencionada. Outra das características são as cenas de nudez, as quais aparecem em vários e longos momentos, sendo uma parte importante para a história, até como a descoberta e o aflorar das sensações pelos personagens e como a relação deles se intensifica e permeia vários estágios de relação, do amor ao ódio, do prazer ao asco e essas marcas se mostram muito impactantes no filme e marcantes também pela presença de cores fortes como o vermelho, cor do sangue, ódio, paixão, para dizer o mínimo e também o verde, cor complementar do vermelho que ajuda a sustentar situações e também o amarelo, muito presente em cenas da cozinha e de comida, mas de forma mais sutil.
Outro aspecto que prende a atenção do espectador e muito bem executados, são os vários planos com espelhos, onde vemos um personagem conversar com o outro e um deles está refletido ou em uma cena da banheira, na qual vemos os personagens apenas pelo reflexo, quase como se eles estivessem fora de alcance, em seu próprio mundo, preocupados apenas consigo, planos muito significativos e condizentes com a trama.
Um roteiro que conquista a plateia com muita simplicidade, uma história consistente dos personagens, que nos permite simpatizar com eles, um controle nos movimentos de câmera, pequenos detalhes que compõem essa muito bem construída obra. E também, a forma como a crítica à história nos remete a refletir na ingenuidade e confiança e até descaso das pessoas, em acreditar e lutar por algo que não se conhece ou não se entende, já que o pano de fundo da história é introduzido em certo momento, depois esquecido e então resgatado no final, quase que unicamente para lembrar os espectadores da situação.
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